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Espiritualidade vampírica: quando a morte cria a vida

Por Caroline Apple

Eles estão entre nós. Os vampiros do século 21 existem e praticam a espiritualidade à maneira deles e de uma forma bem diferente da apresentada nos filmes e nos livros. Nada de pescoços atacados atrás de sangue e nem medo de crucifixo, água benta, balas de prata e decaptação. Suas existências são um ode não à morte, mas sim à vida!

É o que explica Lord A, que tem mais de vinte anos de estrada na cultura do vampirismo. Respeitado não apenas no Brasil, mas também no cenário vampírico internacional, é considerado rei da Dinastia Sahjaza e desenvolve o Círculo Strigoi. Muita coisa para entender, né?! Mas vamos devagar.

Em entrevista ao Namastreta, Andreas Axikerzus Sahjaza, mais conhecido como Lord A, explica que ser um vampiro contemporâneo não se difere em nada do que era ser um vampiro no passado, que, como falamos, está longe dos esteriótipos comportamentais. Além disso, o vampiro destaca que o vampiro contemporâneo está muito mais para os arquétipos de uma obra como “O Banquete”, de Platão, (uma série de discursos sobre a natureza e as qualidades do amor) do que para um “filme sanguinário”.

“Ser vampiro é ser alguém que já morreu para conformismos, apatias, popularidada e para a necessidade de se encaixar nas expectativas e dimensões dadas por terceiros. Porém, jamais de uma maneira blazé, e sim como alguém que focaliza realizar seus sonhos e experiências bem aqui neste selvagem jardim. O vampiro está para aquilo que cria liberdade. A ira cria dependência, vício e pessoas que acham que tudo o que fazem é moralmente justificável. No mundo não existe apenas sua própria certeza, convicção e opinião. Somos o oposto disso”, explica Lord A.

A espiritualidade vampírica se cruza com os ensinamentos de diversos caminhos espirituais. Expansão de consciência, busca por plenitude, presença, desapego, originalidade e espontaneidade são latentes nesse estilo de vida. “Ser um vampiro em qualquer tempo é estar vivo para o que verdadeiramente importa, aquilo que nutre, fortalece e eleva nosso olhar e permite espreitar e reconhecer incontáveis camadas e facetas da realidade comum a todos”, ressalta.

Lord A explica que, por sua experiência, notou que há duas vertentes “vampirísticas” quando o papo é a questão da espiritualidade. De um lado, há uma vertente fashionista ou que visa a produção cultural e o entretenimento, do outro, a qual ele chama “por comodidade” de arquétipo Vamp (como ele se refere aos vampiros). “Esses Vamps encontram sentido, pertencimento e uma força que lhes nutre, fortalece e oferece uma vida com um sentido maior de plenitude e uma integridade ímpar que lhes permite dialogar e enxergar tudo aquilo que a maior parte das pessoas prefere culpar ou cobrar de terceiros”, pontua.

Mas e o sangue?

Portanto, se notar, esses princípios espirituais citados por Lord A passam longe da violência e trazem o indivíduo para um lugar de autorresponsabilidade sobre suas ações. Então, onde entra o imaginário popular do vampiro sanguinário que corre sempre o risco de ser perseguido e morto pelos aldeões enfurecidos após matar sua fome bebendo sangue humano?

Então, não entra!

O sangue, segundo Lord A, é uma alegoria para a “indestrutível Força de Viver”. “[A força de viver] não é transmitida através de nada que venha de terceiros, seja organicamente ou mesmo ‘energeticamente’. Esta é a tradição”, explica. Porém, atenção.

Bom, nada de sangue. Ufa! Era uma analogia deturpada pela construção fictícia desses seres. Mas onde ficam as balas de prata, as estacas, a decapitação, a intolerância à luz solar…

Não ficam!

Lord A explica que tudo isso passa pelo olhar “hollywoodiano e vampirológico” dos vampiros e que não reflete a realidade. “No geral estacas, balas de prata e decaptação não matam apenas Vamps. A gente ri bastante de tudo isso que vemos nos filmes e na ficção, mas quando se conta uma boa história ficcional apreciamos.”

Porém, um ponto de atenção. Lord A afirma que “todo o vampiro confia no sagrado direito da defesa proporcional”. Então, vale a regra: deixem os Vamps em paz.

Só mais um adendo: eles refletem no espelho.

Cosmovisão vamp

É preciso entender o que é a espiritualidade vamp e a cosmovisão vamp. Lord A conta que a cosmovisão vamp teve inicio há quase cinquenta anos no hemisfério norte com Goddess Rosemary Sahjaza e que a dinastia fundada por ela perdurou e alcançou as noites da contemporaneidade.

Como tudo que se desenvolve, esta visão se ramificou através de incontáveis outros agrupamentos e sociedades e se misturou com alguns outros legados e, hoje, é possível dizer que existem muitas outras linhas.

“O cerne de nossos ritos consiste em nutrir e fortalecer o que nos é abundante e próspero, filtrando e focalizando o que nos faz bem nisso tudo e aprendendo a deixar para trás ou a restringir o que nos torna demasiadamente insuportáveis para as pessoas que nos relacionamos e o meio ambiente”, explica.

“Nossos principais ritos consistem em termos a natureza selvagem e seus ritmos, marcas, estações e estâncias e como nos nutrimos deste ‘sangue’ e aonde e a quem somos levados em nossa jornada através da alquimia interior e do mistério do voo noturno.”

Por que ser um vampiro?

Quando questionado do motivo de ser um vampiro, Lord A é enfático: “Mas, afinal, porque não?”. Lord A afirma que não existe um conceito fechado sobre essa indagação, uma vez que cada Vamp poderá argumentar de uma maneira diferente. “Nesses quase 25 anos vivendo essa espiritualidade e suas vertentes mais fashionistas e da produção cultural eu percebo que sou um Vamp. Não é algo que se escolhe ser na prática, você carrega algo desde muito tempo e é isso o que lhe torna um [Vamp].”

Lord A explica que a pessoa se reconhece como um Vamp por carregar consigo uma personalidade que quem está de fora nota algo “diferente” do comum. “Vale sempre frisar que esta ‘gravita’ [personalidade] nada têm a ver com mau-caratismo, ser invejoso, ressentido, obsessivo compulsivo ou parasita – a não ser para quem vive de vender espiritualmente ‘medo’ e ‘paranoia’ sobre o que somos para terceiros. Há Vamps que vivem bem com isso e criam uma vida com maior liberdade e outros que se apegam as dores que isso lhes causou e se tornam mais taciturnos ou exagerados”, diz.

Mas de forma mais pessoal, Lord A conta que se reconheceu como um vampiro desde muito cedo, mas o título demorou um pouco mais para chegar.

Porém, mesmo “demorando” um pouco mais para se reconhecer efetivamente, a figura do vampiro sempre foi admirada e o acompanhou durante toda a vida. “Na infância e adolescência adorava o que via deles como personas complexas, tocadas por uma saturnina melancolia que lhes fazia ver um mundo mais amplo em camadas e que nem mesmo a eternidade lhes permitira ver os polos e as tensões de onde se originam todos princípios e forças expressas na natureza”, recorda.

Então o entendimento começou quando a cultura desses seres começou a se mesclar com suas ações, vontades e interesses do dia a dia. A vida nortuna, alternativa e no universo underground do começo da década de 1990 se tornou o refúgio desse Vamp que nascia para sua descoberta. “Um dia encontrei uma matéria em um jornal paulista sobre Vamps que realizavam grandes festas e eventos em rooftops de Nova Iorque (EUA). A comunidade já tinha quase três décadas de história naqueles tempos. Consegui o contato deles graças ao tradutor do artigo e cheguei até eles. Passei a participar de suas newsletters e zines e assim fui me aproximando, sendo iniciado e despertando”, relembra.

Hoje, Lord A apresenta o programa de rádio semanal Vox Vampyrica e administra o portal da Rede Vamp.

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