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“As histórias de fé são fortíssimas”, diz Chico Felitti, autor do livro sobre a seita de João de Deus

Por Caroline Apple

João de Deus, não! João Teixeira. É assim que o jornalista e escritor Chico Felitti se refere ao “guru” de Abadiânia, município brasileiro no interior do estado de Goiás, onde está localizada a Casa de Dom Inácio de Loyola, epicentro de um “império místico” marcado por crimes como abuso sexual, estupros, falsidade ideológica, corrupção e coação de testemunha, posse ilegal de armas de fogo e munição, contrabando de minério radioativo, além de acusações de assassinato, tráfico de drogas…

A “capivara” extensa do curandeiro João Teixeira, de 77 anos, o levou, enfim, para atrás das grades, porém somente neste ano, quando foi condenado a 40 anos de prisão em regime fechado. Apesar de se dizer médium, parece que Teixeira não pressentiu que os horrores que ele cometeu durante anos atuando como líder espiritual teriam um desfecho como este.

A história foi amplamente divulgada. O bairro onde fica A Casa, no bairro de Lindo Horizonte, é um oásis onde é possível, segundo Felitti, “tomar smoothie de açaí orgânico e ouvir jazz”, envolto por vilarejos, onde não há sequer saneamento básico.

O caso mexeu com a rotina da cidade e de seus moradores. Em pouco tempo, Abadiânia ganhou o adjetivo de “cidade fantasma”. O que antes era um lugar de cura passou a ser reconhecido como um cenário de crimes grotescos que aconteceram durante anos sob as vistas grossas de políticos e autoridades. Um inferno transvestido de céu!

Escrever ou não escrever?

Chico foi convidado por seus editores da Todavia para escrever sobre o homem João Teixeira de Faria. O tema não o cativou, então, a proposta foi negada. Entretanto, nada como a experiência para despertar o interesse de um jornalista astuto e que sabe contar uma boa história.

“Eles me propuseram então que eu fosse até Abadiânia para ver se não encontrava algum recorte de história que eu pudesse contar. Assim que cheguei à Casa de Dom Inácio de Loyola pela primeira vez, eu me dei conta que a história estava ali. É um lugar completamente atípico. Uma ilha de estrangeiros e de dinheiro no coração do Brasil profundo. É um rasgo completo na realidade do entorno. E mergulhar na história desse império místico foi mergulhar em uma história surreal. A mais surreal com a qual já me deparei”, conta Felitti ao Namastreta.

Pronto! Felitti estava no páreo e, de acordo com sua merecida fama de saber contar boas histórias, começam as pesquisas profundas para a criação do livro “A Casa: A História da Seita de João de Deus”.

Uma fé que surpreende

O alicerce de toda a construção de império espiritual é, sem dúvida, a fé. Centenas de milhares de pessoas buscavam a cura na casa de João de Deus por meio de orações, cirurgias espirituais, encontros com o guru. E foi durante muitos desses encontros que os casos de estupro aconteceram.

Chico conta que se surpreendeu com a fé das pessoas, mas não só daquelas pessoas que acreditavam ou acreditam ainda em João de Deus, mas, principalmente, a fé das pessoas que sobreviveram aos crimes cometidos pelo guru, que, por meio dessa força, conseguiram seguir com suas vidas e ainda tentaram reparar de alguma maneira o que tinham vivido.

“Uma dessas pessoas, a pastora Simone Soares, foi abusada por João Teixeira em dois períodos da sua vida, quando era criança e depois, quando era adolescente. Mas mesmo assim voltou à Casa de Dom Inácio quando era adulta. Voltou porque havia se convertido e virado pastora evangélica, e queria converter o seu algoz. Essas histórias de fé são fortíssimas”, diz.

E essa fé pode ter sido a protagonista da cura relatada por muitas pessoas que frenquentaram a Casa, porém, Chico não encontrou ‘provas’ sobre essas curas. “Não encontrei evidência médica ou documental nenhuma de qualquer cura que tenha acontecido lá dentro em 40 anos. E examinei dezenas de milhares de documentos”, pontua.

O poder como escudo para as atrocidades

Para Chico está claro: muitas oportunidades para parar João Teixeira foram desperdiçadas. “Se os primeiros processos tivessem sido levados a sério, ele poderia ter sido parado 40 anos antes. Quantas pessoas teriam sido poupadas?”

O jornalista “distribui” responsabilidades quando questionado do motivo de João de Deus ter feito tudo o que fez durante tanto tempo de forma impune. “Foi um misto de promiscuidade com pessoas poderosas. Para mim, a grande questão do livro é como foi um crescimento, como criou-se um monstro. Ele não era um monstro tão poderoso desde sempre”, explica.

E há quem ainda alimente o ‘poder’ de João de Deus, mesmo diante de tantas acusações e condenações. Felitti conta que conversou com pessoas que ainda fazem parte da seita e negam que João Teixeira tenha cometidos os crimes imputados a ele, mas há também que acredita em seus crimes, porém não descarta seus “poderes curadores”, relatando as curas que receberam do então líder espiritual.

Inclusive, supostamente um seguidor de João de Deus chegou a intimidar Felitti durante as entrevistas que o jornalista fazia para escrever o livro. “Um entrevistado que eu encontrava pela primeira vez disse que sabia o nome do hotel em que eu estava hospedado e o número do quarto. E acertou nas duas informações, o que interpretei como intuito de me intimidar”, relembra.

Mesmo em meio a tensão de encarar fieis que ainda seguem seu guru, Chico relata que suas visitas a Abadiânia foram, no geral, tranquilas, inclusive a semana que passou frequentando a Casa, como se fosse um fiel.

O intento do livro

Apesar de estar bem claro para Chico o seu papel de documentarista, o jornalista não descarta um dos intuitos de contar histórias como a de João Teixeira. Felitti acredita que esses registros podem colaborar para que essas histórias não voltem a acontecer.

“Meu papel é de documentarista mesmo, de registrar a história antes que ela se esfacelasse. Mas acho que sempre existe uma esperança, lá no fundo, de que essas histórias não vão se repetir se elas forem contadas e chegarem a muita gente”, revela.

Quem tiver interesse em aprofundar nessa história pode comprar o livro aqui.

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