Início Colunistas PunkYoga Sincronicidade: da mente chinesa às encruzilhadas de Exu

Sincronicidade: da mente chinesa às encruzilhadas de Exu

Por Nathan Fernandes*

Domingo de pandemia, decidi que era hora de fazer alguma coisa que não fosse trabalhar, lavar as compras ou lamentar pelo triste fim da democracia brasileira. Depois de anos tentando assistir sem sucesso ao filme A Montanha Sagrada, clássico do Alejandro Jodorowsky, senti que era hora de me dedicar a ele. 

Veja bem, é preciso estar no clima pra assistir a um filme que faz referência ao tarô, aos planetas, ao cristianismo e ainda tem um monte de gente pelada gritando ou fazendo cocô em pote, numa história que parece não fazer sentido nenhum.

Todas as vezes que tentei assistir, eu dormi, ou percebi que tava mais interessado no Instagram. Não dessa vez. Talvez porque eu esteja cada vez mais aberto a outras formas de pensar, senti que agora aquele roteiro aparentemente sem noção tinha algum sentido. E que ele se ligava a mim. 

Quando terminei de ver o filme, percebi o porquê nunca tinha conseguido terminar ele antes: não era o momento. 

Passei o resto dia todo lembrando daquelas imagens absurdas & maravilhosas e pensando em como o Jodorowsky era doido, mas também muito gênio, pra fazer um filme com tanta beleza e simbologia. 

À noite, fuçando na TV, e ainda dedicado a não fazer nada que não fosse na horizontal, girei a roleta russa do controle remoto e acabei escolhendo, completamente por acaso, um filme meio espanhol, meio comédia chamado O Que os Homens Falam

Em uma cena, o personagem pega um livro do porta-luvas de um carro, e começa a ler o Manual de Psicomagia. De quem? Dele. Do doido genial. Alejandro Jodorowsky. E mais: a discussão sobre o livro tem papel central no fim da história, não é só uma participação especial. 

Tipo, qual é a chance?

Quer dizer, a menos que os empresários maléficos do Vale do Silício tenham instalado um chip na minha sala durante à noite, não tinha a mínima possibilidade de, no mesmo dia, eu ver o diretor de um clássico que eu tô enrolando há anos pra assistir dentro de um filme espanhol completamente aleatório. Eu nem vejo muito filme argentino. 

Em outros tempos, eu diria que isso não significa nada. Mas isso seria muito opaco pro meu eu atual. Porque acho que é muito eurocêntrico não se abrir pro fato de que talvez existam coisas que escapem da nossa compreensão. 

É por isso que eu gosto quando o Carl Jung chama de sincronicidade essas coincidências significativas, no prefácio da edição ocidental do I-Ching.

“Para a sincronicidade, a coincidência dos acontecimentos, no espaço e no tempo, significa algo mais que mero acaso. (…) Assim como a causalidade descreve a sequência dos acontecimentos, a sincronicidade, para a mente chinesa, lida com a coincidência de eventos.”

Acho legal quando ele fala “para a mente chinesa”, porque, de fato, você precisa abandonar o pensamento bruto ocidental pra entrar na sutileza da mente chinesa. No ocidente, a razão é colocada como única forma de interpretar o mundo. Mas o Universo é grande demais pra admitir só uma forma de qualquer coisa. 

Então, pra aceitar a ideia de sincronicidade, é preciso aceitar antes que o modelo de pensamento ocidental — esse que saiu da Europa pra dominar, estuprar e escravizar outros povos —, ele não é o único possível. 

Admitindo isso, fica mais fácil aceitar afirmações como as que a psiquiatra Jean Shinoda faz no livro A Sincronicidade e o Tao, que compara essa ideia do Jung com a filosofia chinesa: “Diante de nossa insistência em que o método científico é o único meio pelo qual qualquer coisa pode ser conhecida, as portas da percepção se fecham, a sabedoria do Oriente nos é negada e nosso mundo interior torna-se unilateral.” 

Ao perceber que o mundo é dúvida e não certeza, e que outros modelos de pensamento podem coexistir: “Poderemos viver então num mundo de tempo linear, ainda que capazes de vivenciar a atemporalidade de uma realidade eterna, na qual somos parte.” 

É fazendo essa ponte que a gente pode entender essas conexões aleatórias da vida. 

“A mente ocidental pode chegar a saber o que é o Tao através da sincronicidade. Como conceito, a sincronicidade é um ponto entre o leste e o oeste, entre a filosofia e a psicologia, entre o lado direito do cérebro e o esquerdo. (…) Se percebemos pessoalmente a ação da sincronicidade em nossas vidas, sentimo-nos mais interligados do que isolados ou alienados dos outros (…) Ocorrências sincronísticas nos proporcionam percepções que podem ser úteis ao nosso crescimento psicológico e espiritual e, através do conhecimento intuitivo, podem nos revelar que nossas vidas têm um sentido.” 

Eu não sei exatamente o que as aparições do Jodorowsky no meu domingo querem dizer, mas sei que essa sincronicidade me lembrou de que, há muito tempo, eu tô querendo escrever sobre esse tema. 

E acho que o aniversário de um ano da PunkYoga é uma boa desculpa pra escrever sobre essas conexões ocultas do Universo que são “úteis ao nosso crescimento psicológico e espiritual”. 

Quando aceitei que esse seria o tema desta humilde edição comemorativa, outra sincronicidade apareceu na forma da jornalista Caroline Apple, dona de um projeto cósmico que mistura jornalismo e espiritualidade, o Portal Namastreta. Ela faz um trabalho finíssimo e me chamou pra colaborar com ela. Óbvio que eu aceitei. 

A gente anunciou tudo nessa live, na qual conversamos sobre ciência psicodélica e transtornos mentais

Isso quer dizer que as brisas & doideiras mil que escrevo aqui na PunkYoga também vão adornar as páginas do Namastreta. Acho que eu e a Carol temos uma visão parecida de comunicação e dos mistérios do Universo. Fico feliz em fazer parte desse microcosmo que ela tá construindo. E achei simbólico isso aparecer bem na hora que o PunkYoga faz sua primeira revolução solar. Senti como um chamado pra mudança.  

Engraçado que esse sentimento aumentou quando vi uma aula sobre Exu que o babalorixá e doutor em semiótica Sidnei Nogueira deu no MIT esses dias. Ele comparou o pensamento da sociedade ocidental com uma linha reta e binária; já a ética exuística (de Exu) é um cruzamento de linhas, que podem ir para todas as direções, abraçando contradições & paradoxos — uma complexidade que o ocidente não suporta. 

Fico pensando se a sincronicidade não seria também essa encruzilhada de Exu, onde todos os pontos se encontram; em que passado, presente e futuro se juntam pra trazer conexão e movimento. 

Não sei bem como ou porque as sincronicidades acontecem, mas foi percebendo essas “coincidências significativas” que eu completei um ano de um projeto que até agora é o meu maior exemplo de magia. 

*Nathan Fernandes é jornalista e escritor. Já publicou em veículos como Galileu, Yahoo!, The Intercept, UOL Tab, Trip, Super e Veja. É criador do projeto PunkYoga, um depositório xamânico-anarco-queer-psicodélico. Para outros textos & doideiras mil, assine a newsletter

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