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Direitos LGBTQ+: Parabéns, Papa Francisco, o senhor não faz mais do que sua obrigação

Por Nathan Fernandes, PunkYoga

Direitos LGBTQ+: Parabéns, Papa Francisco, o senhor não faz mais do que sua obrigação

Entendo que, para muitos conservadores, o Papa Francisco possa soar como um Che Guevara de batina. Mas, como integrante da comunidade LGBTQ+, acho que seus posicionamentos liberais não expressam nada além do óbvio. Ou seja, ele não faz mais do que a obrigação de um líder religioso com bom senso. 

Apesar da postura aberta em relação aos fiéis LGBTQ+, o Papa nunca foi claro sobre a defesa dos direitos dessa população. Até que, em outubro, no documentário “Francesco”, pudemos ouvi-lo falando pela primeira vez que “pessoas homossexuais têm direito de estar em uma família”, defendendo ainda a criação de uma lei para união civil de casais homoafetivos. Um pequeno passo para a comunidade LGBTQ+, mas um grande passo para uma instituição carcomida por interesses medievais, como a Igreja Católica. 

Escrevo do ponto de vista de um homem gay branco de classe média que precisou rejeitar a educação católica que teve para poder viver sua sexualidade e espiritualidade de forma livre e saudável. Para mim, a opinião da Igreja sobre qualquer assunto não é nada além de irrelevante. Mas me coloco no lugar de pessoas que ainda estão sufocadas pelos tentáculos da culpa católica, e veem nas declarações do Papa um alívio acolhedor. 

Ainda assim, acho que, se é para meter o pé na porta, por que não fazer isso com uma voadora, em vez de chutes frouxos? Afinal, não estamos falando da canonização da Pabllo Vittar, mas do reconhecimento de direitos básicos para qualquer ser humano, como o “direito de estar em uma família” e de poder se casar. 

Para ficar claro: adoro a forma afrontosa como Chico conduz o seu mandato. Não me sinto acolhido pela Igreja desde que cantava “erguei as mãos” com o Padre Marcelo Rossi, na época da primeira comunhão. De qualquer forma, tendo a valorizar muito mais as posições firmes, sensatas e contumazes de religiosos como o Frei Beto, defensor dos direitos LGBTQ+ e um verdadeiro Jack Chan no quesito voadoras. 

Isso não é uma competição. Não sou jurado de programa de calouros e também não acho que seja necessário ou saudável comparar a atuação de líderes católicos — até porque imagino que o Papa precise responder a muitas outras instâncias —, mas não posso deixar de notar a diferença entre as posições de ambos. 

Em um artigo recente na Folha de S.Paulo, com o título “Voltamos à Inquisição?”, por exemplo, Frei Beto questiona a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que determinou a exclusão do termo “católicas” do nome da ONG “Católicas pelo Direito de Decidir” (defensora do acesso ao aborto legal), atendendo a um pedido da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, organização católica ultraconservadora. 

“Estamos de volta à Inquisição, quando os direitos civil e religioso se confundiam? Ou o TJ-SP pretende imitar os tribunais nazistas por condenarem quem se assumia como judeu?”, questiona ele. “Os desembargadores de São Paulo podem, sim, punir quem não cumpre a lei, mas exorbitam de suas funções ao prescrever quem é digno ou não de se considerar adepto de determinada confissão religiosa. Daqui a pouco teremos juiz evangélico ordenando o fechamento de terreiros de candomblé pelo simples fato de considerá-los espaços do demônio.”

E ele segue malhando o Bolsonaro: “A decisão do TJ-SP retrata essa conjuntura autoritária na qual se encontra o nosso país, cujo presidente, católico rebatizado evangélico, contraria todos os preceitos bíblicos e exalta torturadores — e ministros e ministras se empenham em fazer coincidir a legislação vigente com a lista de pecados de sua confissão religiosa. Só fica faltando a fogueira…”

Em outro artigo, em referência à George Floyd, Frei Beto se diz sufocado. “Não consigo respirar neste Brasil (des)governado por militares que ameaçam as instituições democráticas e exaltam o golpe de Estado de 1964, que implantou 21 anos de ditadura; elogiam torturadores e milicianos; acertam o ‘toma lá, dá cá’ com notórios corruptos do Centrão; plagiam ostensivamente os nazistas; manipulam símbolos judaicos; tramam, em reuniões ministeriais, agir ao arrepio da lei (…).”

Em um momento no qual políticos evangélicos disputam inescrupulosamente espaços de poder, líderes ayahuasqueiros defendem regimes autoritários e fundamentalistas muçulmanos acham menos grave decapitar um ser humano do que reproduzir a imagem de seu deus, posições cirúrgicas como as de Frei Beto — contrárias a regimes abertamente racistas, homofóbicos e machistas — fazem mais pela comunidade LGBTQ+ do que ladainhas meia-bomba, mostram ainda que a religião não é alheia aos direitos humanos e que a Igreja Católica pode ser, de fato, o que prega. 

*Nathan Fernandes é jornalista e escritor. Jápublicou em veículos como Galileu, Yahoo!, The Intercept, UOL Tab, Trip, Super e Veja. É criador do projeto PunkYoga, um depositório xamânico-anarco-queer-psicodélico. Para outros textos & doideiras mil, assine a newsletter.  


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