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Espiritualidade e política: não sou eu que estou misturando é você que está separando

Por Caroline Apple*

Você está encarnado. Vive em uma sociedade ocidental e capitalista, numa república (tecnicamente) democrática. Segue leis feitas pelos políticos e aplicadas pela Justiça e usa de direitos previstos na constituição. Seu direito à manifestação religiosa tem amparo legal. Se toma ayahuasca sem ser detido ou escondido é porque leis foram elaboradas para garantir seu uso religioso e ritualístico, leis essas criadas dentro do âmbito, pasme, político. Eu poderia passar o dia descrevendo as bases do nosso dia a dia em sociedade, mas acho que já deu pra entender, né?!

Então, de repente, não mais que de repente, surge um ser e diz: “espiritualidade e política não devem se misturar”. Amado ou amada, você está se ouvindo? Espiritualidade não é um lugar quentinho onde você se protege da realidade catastrófica da nossa sociedade. É na espiritualidade que aprendemos a lidar com ela, não a ignorar.

Imagina só se Buda quando se iluminou sentasse embaixo de uma árvore e ficasse apenas olhando para as injustiças sociais que ocorriam na Índia? Porque se você não sabe, o cara se iluminou e foi lutar contra as castas. Foi lá expor o quanto era injusto aquele sistema. Mas quem é Sidarta, né?! O que ele sabe sobre a vida…

Ou que tal Jesus, que poderia ter sentado numa pedra qualquer e ficado lá como o filho de Deus, tranquilão, mas não, quando viu o templo ser tomado pelo comércio e viu o caminho de Deus ser “vendido” ficou putaço e saiu virando as mesas e falando um monte? O cara foi um preso político condenado à morte. Mas quem é Jesus, né?! O que ele sabe sobre a vida…

Vou trazer exemplos mais contemporâneos. Todas as vezes que a Monja Coen expõem seus pensamentos progressitas ela é atacada na internet, principalmente se o que ela disser for de encontro com o pensamento político de quem está lendo. O Padre Julio Lancellotti é atacado periodicamente por lutar pelas pessoas em situação de rua. O pastor Henrique Vieira dá um show sobre Teologia Negra e tem em sua pauta como espiritualista a luta contra o racismo.

Então quando me deparo com essa argumentação de que política e espiritualidade não se misturam eu percebo o quanto a espiritualidade pode se tornar mais um reduto de abafamento das injustiças sociais. Cadê os pretos e as pretas, os viados, as sapatão, as pessoas trans como terapeutas, yoguis e yoguines, padrinhos e madrinhas de casa de Daime, pai e mãe de santo na Umbanda (que tem influência de religião de matriz africana diga-se de passagem), mongens e monjas? Vocês não se perguntam, não?!

Acham o que? Que é Deus que quer que seja assim? Que essas pessoas MERECEM viver à margem porque estão VIBRANDO na miséria? Ou tem todo um sistema injusto, preconceituoso e excludente por detrás disso que precisa ser combatido?

Quem está transformando a espiritualidade num puxadinho dessa sociedade desigual é quem insiste em dizer que esses temas não se misturam. E se eles não se misturam é somente por um fato: é porque eles nunca estiveram separados.

E sabe quem sacou isso? Os evangélicos neopetencostais, que têm bancada própria no legislativo e mandam e desmandam com base em seus dogmas sem o menor respeito a nada além deles mesmos e suas crenças. Eles usam da espiritualidade e da religião para cagar regra na nossa vida.

A discussão está intensa nos grupos espiritualistas. Cheguei a ler o seguinte comentário: “Até aqui estão tentando impôr essa maldita agenda gay”….veja bem se dá para passar desapercebido diante de um comentário desse. Um dia postei num grupo Budista uma entrevista que fiz com o Kodo Nishimura, um monge budista gay e maquiador. Era cada comentário absurdo e homofóbico que tive o desprazer de ler que flertei com a vontade de não ser alfabetizada.

Como fingir naturalidade ao saber que dentro de uma religião que usa ayahuasca passa uma circular falando sobre como é errado o “homossexualismo”. Esse povo não mora dentro da seita. São cidadãos e cidadãs que saem desses ambientes e reproduzem esse discurso no dia a dia.

Isso sem falar no discurso super iluminadão de quem chama o processo de uma ilusão da dualidade e fica repetindo frases de efeito como “somos todos um”. Parabéns, é isso mesmo, mas isso serve para que não nos identifiquemos e não para que façamos vistas grossas para as injustiças e preconceitos dentro da realidade que a gente habita, você gostando ou não, porque isso gera sofrimento e dor.

Porém, o centro é livre para você usar a espiritualidade como muleta. Mas se sua vista grossa e passação de pano respingar no direito à liberdade, no direito das pessoas serem respeitadas pelo que elas são, na luta contra as injustiças sociais e etc estaremos aqui para te lembrar que sua espiritualidade é tóxica porque ela não tem consciência social.

Namastreta, camaradas!

Quer saber mais sobre o assunto? Vem assistir ao programa Namastreta com o jornalista e escritor Lauro Henriques Jr sobre Política e Espiritualidade.

*Tem muita coisa acontecendo no mundo e muitas delas passam desapercebidas por quem vive totalmente a ruptura causada pela existência dual. Estar atenta a esses acontecimentos não é ter poderes sobrenaturais, e sim uma antena potente que capta tudo ao mesmo tempo. Presente, passado e futuro se fundem no presente permanente. Carol nasceu com essa anteninha sensível, sensibilidade essa que aumentou profundamente após mergulhar de cabeça no caminho da espiritualidade e do autorreconhecimento. Jornalista, publicitária, instrutora de meditação e mais um universo de possibilidades, Carol vai dividir suas percepções na coluna ÉterSiga no Instagram.

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1 COMENTÁRIO

  1. O fogo só acontece se, diante das condições necessárias, a fricção entre 2 materiais, sendo um deles combustível, ocorrer. Com a justificativa de manter uma tradição que não representa a voz da pluralidade, sempre se manteve “nos âmbitos da espiritualidade” a percepção de que religiosidade é uma sociedade à parte, que deve se manter sem máculas, já que seria um espaço para se alcançar um estado superior de evolução. Oras, se não temos dois corpos físicos como podemos viver em duas sociedades sendo íntegros, sem tocar e ser tocado por questões que influenciam cada passo nosso, conscientemente ou inconscientemente?
    Rogo que todos percebamos que política é vida e assim como fogo precisamos criar condições para que ocorra com a nossa participação consciente ou nos perderemos nele.
    Isso tudo me lembra o que um nego veio disse uma vez: Quem tem obrigação tem sempre um dever a cumprir.

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