Início Entrevistas Maquiador, gay e monge: Conheça Kodo Nishimura e suas multifacetas

Maquiador, gay e monge: Conheça Kodo Nishimura e suas multifacetas

Por Caroline Apple

Kodo Nishimura tem 31 anos e nasceu dentro de um templo budista, em Tóquio, no Japão. Com o pai monge, não havia dúvidas sobre do seu futuro como devoto da vida monástica. Porém, não foi bem assim.

Em entrevista exclusiva ao Namastreta, Nishimura conta que em vez de olhar para o pai e se inspirar, seu negócio era falar para sua mãe que era uma menina e sair pela casa desfilando de minissaia. “Eu me via como uma princesa, dançando A Bela e a Fera, da Disney. No jardim de infância, eu ensinava outras meninas a encenarem Cinderela, enquanto eu era a fada madrinha”.

Mas a espontaneidade infantil deu lugar a vergonha e ao medo da humilhação. Sua orientação sexual passou a ser um fardo que o fazia sentir-se inferior as pessoas ao seu redor. Sem saída, Kodo foi buscar mundo a fora um lugar onde pudesse se expressar livremente. “Eu fugi para os EUA. Fui parar numa universidade americana inspirado no filme Diário da Princesa. Eu tinha certeza que lá [EUA] as pessoas estavam mais abertas às diferenças”, conta.

Mas Nishimura se esqueceu que não dá para fugir de si mesmo. Seus sentimentos de inferioridade continuavam a atormentá-lo. Agora, além da sexualidade, batia na porta a questão étnica. “Eu me sentia mais baixo do que a maioria dos americanos, meus olhos eram muito estreitos, minha pele estava tinha marcas por causa das espinhas e me senti isolado mais uma vez.”

Recomeço

Em 2007, a Miss Japão venceu o concurso Miss Universo e Kodo ficou, segundo ele, hipnotizado por sua apresentação e pela maquiagem, que acentuou os traços japoneses da jovem. Então, em vez de odiar suas diferenças, ele as abraçou.

“Percebi que estava ao meu alcance apresentar minha beleza interior ao mundo e não apenas refletir como o mundo pode me ver. Foi quando eu peguei delineador e rímel e me expressei novamente.”

Sua “cobaia” foi uma amiga japonesa, que também passava por dificuldades para se adaptar nos EUA. Foi percebendo o impacto positivo da maquiagem na autoestima da amiga que Nishimura decidiu se jogar de cabeça na arte da maquiagem como uma ferramenta poderosa de inclusão dele e das pessoas que estavam ao seu redor.

De princesa a monge

Foto: Divulgação

A decisão de voltar para o Japão e se tornar monge não foi fácil, mas Kodo sentiu que esse desafio o faria crescer como ser humano e que esse crescimento impactaria diretamente na sua forma de se apresentar ao mundo. “Estudar Belas Artes em Nova York me fez perceber que precisava saber quem eu era em um nível mais profundo para ter sucesso em um cenário global. Eu tive que descobrir as raízes de quem eu sou para expor minhas vulnerabilidades e, assim, inspirar outras pessoas”, explica.

Mesmo certo dos benefícios, a entrada no treinamento budista para ser monge foi apavorante. Kodo não tinha ideia de como sua orientação sexual seria vista e temia que seu hábito de se maquiar poderia estar com os dias contados. Entretanto, a surpresa veio logo de cara com seu mestre, que trouxe à tona um dos principais ensinamentos budistas para acolher o jovem maquiador.

“Meu mestre me disse que a mensagem de igualdade para todos é o fator mais importante do budismo e que os monges japoneses usam relógios e roupas comuns atualmente e, portanto, não via nenhum problema em eu usar algo brilhante.”

Esse ensinamento aplicado na sua realidade transformou Kodo, que decidiu espalhar a palavra do budismo pelo mundo para que as pessoas saibam que não precisam se sentir culpadas por serem quem são. “Não há nada contra a comunidade LGBTQ e ninguém. Todos são iguais. Raça, sexualidade, status ou idade não torna ninguém inferior ou superior. Esse conhecimento me trouxe uma confiança recém-descoberta e uma missão para compartilhar a mensagem que me salvou.”

Então, em 2015, Nishimura se tornou oficialmente um monge Jodo Shu, da linha Terra Pura, uma vertente do budismo Mahayana também conhecida como Amidismo, devido a sua devoção ao Buda Amida, o Buda da Vida e Luz Infinitas.

Vida de monge maquiador

Foto: Divulgação

Kodo afirma que ser monge e maquiador é apenas um pedaço de sua identidade e que expressa essas suas multifacetas em uma simbiose que vai de cantos pela manhã ao lado do pai antes de ir ministrar um curso de maquiagem, passa por meditações no quarto do hotel para ir com a mente leve maquiar no concurso de Miss Universo até todas as possibilidades de explorar o mundo sendo monge e maquiador.

“As pessoas podem se surpreender porque estou lidando com a sabedoria antiga e as novas tendências. Elas acham isso contrastante e interessante”, diz.

Mesmo diante de um cenário de aceitação e contentamento, o monge enfrenta preconceito. “Alguns me compararam negativamente aos monges tailandeses e dizem que eu não sou um monge de verdade por usar maquiagem ou por fazer o que faço”, conta.

Kodo afirma que conhece outros monges gays, porém que decidiram manter suas orientações sexuais em segredo. Nishimura espera que sua história sirva de inspiração a outros monásticos que ainda sentem medo de ser humilhados.

“Ouvi algumas críticas, mas o que mais ouço é que eu inspiro as pessoas pela minha coragem de falar. Já dei palestra no primeiro simpósio LGBTQ em Jodo Shu e em uma conferência para esposas de monges. Dizem que eu represento não apenas a comunidade LGBTQ, mas também pessoas em estado de vulnerabilidade em geral. Algumas pessoas me procuram para falar sobre suas sexualidades e doenças e outros desafios. Sou grato por esse apoio”, finaliza.

Conheça mais da vida de Kodo Nishimura no seu perfil do Instagram.

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