Início Entrevistas "A força do xamanismo é maior do que a localização geográfica", afirma...

“A força do xamanismo é maior do que a localização geográfica”, afirma Leo Artese

Por Caroline Apple

Após séculos de desprezo e esquecimento, as técnicas empregadas pelos xamãs dos tempos arcaicos voltam a interessar com força. Seus conhecimentos da psiquê parecem oferecer importantes pistas de como lidar com os males da alma humana. Entretanto, os tempos são outros. Cerca de 54% da população mundial vive em áreas urbanas, uma proporção que deve chegar a 66% em 2050, de acordo com dados na ONU (Organização das Nações Unidas).

Então, como aplicar um sistema de crenças “nascido e criado” em meio à natureza num momento da humanidade em que os seres humanos estão absortos pelo concreto e em um estilo de vida galgado no “ter” e não no “ser”?

Nesse contexto, o xamanismo ainda gera muitas dúvidas sobre sua aplicação no contexto urbano. Afinal, é possível praticar essa vertente da jornada espiritual na cidade grande? É possível “ser” xamânico onde a natureza tanto exaltada pelos ritos desde os antigos povos está suprimida, esmagada e desvalorizada?

Leo Artese, um dos maiores estudiosos do xamanismo no Brasil, acredita que sim. E, entrevista ao Namastreta, Artese afirma que é possível romper barreiras geográficas para que os benefícios dessas crenças ancestrais sejam colhidos por todos, cada um dentro da sua realidade.

“Não é imprescindível que os rituais sejam realizados na mata, pois o xamanismo existe no deserto, nas montanhas, nas geleiras, nas praias. E, por que não, dentro de uma selva de pedra, se for essa a sua realidade? A força do xamanismo é maior do que a localização geográfica”, afirma.

Com iniciações no EUA, Peru e Brasil, Artese traçou um longo caminho de estudos e não ignora os desafios que os grandes centros urbanos promovem para os praticantes e para aqueles que ainda flertam com essa linha da espiritualidade e do autocomhecimento. Para o xamanista, as grandes cidades não oferecem e muito pouco demonstram poder oferecer qualidade de vida. Porém, a incorporação de novos conceitos, como o veganismo e até o xamanismo corporativo, mostra que existe uma espécie de adaptação para que essas crenças continuem reverberando pela história.

E as dúvidas surgem com o aumento do interesse das pessoas pelo caminho do autoconhecimento, que se mostra latente e crescente nos últimos anos. Artese atribui ao que ele chama de característica marcante do século 20: a crescente desilusão com as perspectivas de realização e crescimento pessoal oferecidas pela moderna civilização tecnológica. 

“Hoje uma das grandes causas de sofrimento vem do vazio existencial experimentado como crise de identidade, um sentimento de não saber quem se é, de qual o sentido de nossa vida. As pessoas se veem confrontadas com a insegurança ou o desencanto com a vida moderna”, diz. “Convivemos num mundo que impõe um consumismo exacerbado graças ao capitalismo fora de controle. Criamos formas totalmente antinaturais de viver.”

Diante deste cenário de desolação em relação a forma como as pessoas têm vivido e experenciado essa jornada, o xamanismo, de acordo com Artese, cresce a passos largos devido às carências sociais, da natureza e de si mesmo, ocasionadas pela sociedade moderna.

Reconexão

A conexão entre homem e natureza, enfraquecida durantes longos anos, começa a se restabelecer a partir do momento que os seres humanos passam a se dar conta que esse afastamento tem sido o motivo do surgimento de muitas doenças emocionais, que desembocam em moléstias físicas e mentais.

Além dos benefícios aos indivíduos, Leo ressalta a importância dessa reaproximação para a manutenção da vida na Terra em geral. “Para muitos, a possibilidade que nos apresentam é de uma retomada de uma consciência da integração do homem com a natureza. Uma ‘ressacralização’ do mundo, que parece ser a única esperança de evitar a série de catástrofes ecológicas que a cegueira imediatista de nossa civilização vem armando para si. E o xamanismo apresenta um caminho viável para essa retomada da integração”, afirma.

Artese afirma também que o xamanismo, que é uma das mais antigas práticas espirituais, médicas e filosóficas da humanidade, vem sendo alvo de estudo e prática de médicos, advogados, donas de casa, psicólogos, espiritualistas, místicos, estudantes, executivos e pessoas das mais variadas crenças. Enfim, uma prática, segundo o xamanista, democrática, que está ao alcance de todos aqueles que a procurarem.

“Os rápidos resultados a partir de visões internas de profundo significado, contato com realidades ocultas, obtenção de autoconhecimento e busca do poder pessoal contribuem para o interesse nas práticas, que propiciam tranquilidade, paz e profunda concentração e estimula o bem-estar físico, psicológico e espiritual. O xamanismo resgata a relação sagrada do homem com o planeta.”

Preconceito

Falar de xamanismo, muitas vezes, é remeter automaticamente ao conjunto de crenças dos índios norte-americanos, portanto, há quem critique o uso do termo xamã, uma vez que existe a figura do pajé no Brasil. Mas esse tipo de comentário pode ser colocado no rol dos preconceitos que o xamanismo em si e seus praticantes enfrentam no país.

“O xamanismo não se refere apenas à espiritualidade indígena. É certo que os indígenas foram os grandes responsáveis por manterem acessas as chamas da Medicina da Terra, mas as práticas se originaram no ‘homem primitivo’, no paleolítico, e são universais”, explica Artese.

Artese diz que é desafiante falar abertamente sobre essa fé, num processo de proteção contra o preconceito, que pode respingar nos filhos, pais e amigos, numa sociedade que coloca rótulos e julga o tempo todo.

“É curioso as pessoas nos perguntarem se trabalhamos e se temos família e saber a opinião delas sobre o assunto. Perguntam se não é droga, se vicia, se faz mal à saúde, se enlouquece. Muitos nos olham como pessoas diferentes”, destaca.

Xamãs e oportunistas

Como em todos os caminhos espirituais, a deturpação de conceitos e práticas são desafios a serem superados. Pipocam pessoas se denominando xamãs e propondo cura por uma infinidade de práticas de poder. Mas Artese ressalta que são “espinhos do caminho” e não um “caminho de espinhos”.

Portanto, haverá pessoas que se aproveitam da “onda”, que mercantilizam, que acreditam nas suas próprias mentiras, pessoas iludidas, oportunistas e mais uma gama de deturpações. Porém, o xamanismo segue como uma iniciação séria e praticado por quem tem realmente um dom.

“Um xamã transformou a sua vida, conseguiu a sua cura através de profundos processos de morte e renascimento, lidou com perdas, enfrentou entidades, enfrentou sua própria sombra e obteve o conhecimento essencial e o reconhecimento de seus instrutores para poder compartilhar com os outros.”

Artese também destaca que o xamanismo está além dos rituais e convida para o campo da experiência diária. “Xamanismo é uma forma de vida, uma nova visão do mundo, que se aplica, primeiramente no condutor. São anos de preparação. Ser um xamã é abraçar um sacerdócio. Ser xamã não é uma profissão, é um dom”, pontua.

Namastretahttps://namastreta.com.br/
Um portal sobre autoconhecimento e espiritualidade na prática para quem busca informação de qualidade sobre esses universos

1 COMENTÁRIO

Responder a marcos sibulka Cancelar resposta

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Últimas Tretas

“A constelação familiar me ajudou a abrir mão dos meus filhos por amor”

Thauana estava apegada a ideia de que teria que sacrificar o bem-estar da família para ser a "mãe ideal"

“Não dá para preencher espaço, é preciso produzir sentido”, diz editora da Vida Simples

Ana Holanda afirma que o autoconhecimento é uma das chaves para escrever um texto afetuoso

“Eu não falo as coisas para agradar as pessoas”, diz Monja Coen sobre seu posicionamento político

Líder espiritual não foge de assuntos "espinhosos" e garante que budismo é sinônimo de posicionamento

“A força do xamanismo é maior do que a localização geográfica”, afirma Leo Artese

Xamanista garante que a prática pode ser exercida em qualquer ambiente e o que vale é o bem-estar